Dobrando as esquinas da representação
Bruno Massara

Resumo: As tecnologias digitais de comunicação e informação vêm reconfigurando uma série de aspectos relacionados à forma como o espaço contemporâneo é produzido pela nossa sociedade. Em função da construção de grandes canais de distribuição de dados e serviços, vários hábitos têm se modificado tanto na escala doméstica quanto no âmbito da cidade. O que vem ocorrendo, principalmente em grandes escalas, é um esgotamento de formas de representação deste espaço atual, um espaço que não depende somente das distâncias físicas, de localizações definidas, ou mesmo de determinantes previsíveis.

As escalas se tornaram muito grandes, inviabilizando o olhar totalizante, as relações entre os espaços são tão importantes quanto as suas localizações, e os processos tão relevantes quanto a forma final. Por essa razão é necessário investigar como a arquitetura pode gerar uma linguagem de representação mais adequada com estas novas categorias e atributos da espacialidade contemporânea, tomada de assalto pelas mídias digitais e pelos sistemas de comunicação. A construção de uma interface gráfica digital é um procedimento que testa novas possibilidades de organização e visualização de informações e avalia processos de representação espacial a partir da interação, subjetividade e intenção.

Palavras-chave: Tecnologias de informação e comunicação, Interface digital interativa, dinâmicas espaciais contemporâneas.

1. Dinâmicas urbanas em grandes escalas

Em algumas regiões é possível perceber situações onde os impactos das novas tecnologias da informação e dos mercados econômicos globais têm alterado a lógica das atividades no território, inserindo novos condicionantes espaciais que se apóiam em uma lógica de relações comerciais, interesses privados, conexões de infraestrutura e fluxos de capital. São fatores cada vez mais importantes para a arquitetura e urbanismo porque têm alterado rapidamente a lógica de formação dos espaços em grandes escalas, redefinindo estratégias urbanas de intervenção a partir de interesses externos, exigindo do arquiteto um grau maior de visualização das problemáticas que envolvem o estudo do espaço urbano. A crescente informatização dos serviços, ampliação das trocas de informação e a agilidade de acesso a espaços virtualizados são variáveis importantes com as quais a arquitetura contemporânea deve saber lidar.

Esses fatores são, por definição, inatingíveis para os métodos tradicionais de representação espacial já que a maioria deles ainda se detém na descrição dos aspectos físicos do espaço urbano. Outros tipos de variáveis que também influenciam na formação do espaço físico como fluxos, durações, intensidades, acessibilidades, graus de interação são deixados de fora devido à rigidez de nosso sistema tradicional visualização espacial. As novas tecnologias de informação não somente inseriram novas variáveis como também aceleraram outras já existentes e a falta de conhecimento destes aspectos pode não só inviabilizar determinada solução técnica arquitetônica como também gerar situações urbanas críticas no futuro. Algumas manifestações dessas situações urbanas em grande escala podem ser encontradas em regiões de intensa atividade industrial e comercial como é o caso do Vale do Aço, um pólo produtivo e internacionalmente articulado que iniciou suas atividades nas primeiras décadas do século XX, em Minas Gerais.

O Vale do Aço é uma região que possui características muito particulares no que diz respeito ao surgimento e organização de seu território. Modelado por dinâmicas industriais, o tecido urbano e as práticas sociais incorporaram muito desta lógica de organização produtiva das empresas siderúrgicas e, mais recentemente, de celulose. Instauradas a partir dos anos 40, estes enclaves industriais desencadearam um surto de desenvolvimento urbano e industrial e uma grande capacidade de gerar mão-de-obra, responsável por grandes fenômenos de migração interegional em busca de oportunidade e prosperidade. Segundo o IBGE, os movimentos migratórios numa dada região funcionam como o termômetro das condições socioeconômicas da população e que, historicamente, os fluxos podem ser associados às transformações econômicas, políticas e sociais vividas no país. O mesmo instituto afirma que o acompanhamento periódico dos processos e fluxos migratórios torna-se primordial na estruturação, implantação e no monitoramento de políticas públicas.

"O saldo migratório positivo da RP (Região de Planejamento do Vale do Rio Doce), entre 1970 e 1980, está diretamente relacionado à expansão e ao transbordamento das atividades siderúrgicas na região, onde está presente o chamado Vale do Aço (Ipatinga, Timóteo e Coronel Fabriciano)," (IBGE:2001).

A região do Vale do Aço tem seus fluxos populacionais influenciados principalmente pela região norte do estado de MG e pelo leste do país no estado do ES. A origem do movimento migratório revela a influência da localização espacial de cada uma das regiões no direcionamento dos fluxos migratórios. Assim, a direção e o sentido dos fluxos migratórios de uma determinada região ao longo do tempo são sintomas fundamentais para estabelecer uma análise mais aprofundada do comportamento territorial e do uso e demanda de edifícios, bairros e infraestruturas. A introdução destas empresas de grande porte na região também gerou fortes impactos na configuração da paisagem através da construção de várias infraestruturas viárias, galpões industriais quilométricos, grandes extensões de plantio de eucalipto, bairros inteiros planejados, instalação de equipamentos de serviço como shopping centers, hospitais e clubes.

"Nestas cidades-empresas muito da infraestrutura básica é arcada pelas empresas privadas como escolas, clubes, shopping centers, teatros, hospitais, supermercados que na verdade gera uma dependência mútua entre empresa e território" (PIQUET:1998, p.24-30).

O Vale do aço é um núcleo produtivo-exportador articulado globalmente. As empresas em atividade na região surgiram com a perspectiva de se tornarem grandes competidoras no mercado internacional e algumas contaram com investimentos estrangeiros como o japonês no caso da USIMINAS e CENIBRA. Atualmente uma série de empresas multinacionais participam do grupo acionário como a Usinor da Bélgica, Sistel da Itália, revelando uma tendência mundial de globalização econômica. As tecnologias de informação e comunicação ampliaram em muito as possibilidades de relações comerciais, e as transações econômicas operam numa rede virtualmente configurada numa escala global, gerando grandes fluxos de capital estrangeiro, compondo grupos acionários que são, muitas vezes, decisivos nos impactos do território urbano. A formação de grandes redes de comunicação insere um novo grau de complexidade na formação e deformação de um tecido urbano do Vale do Aço que já era particular desde seu surgimento. MONTE-MÓR e COSTA (1996) consideram que a indústria hoje está cada vez mais subordinada aos serviços. Se antes o serviço era dependente da indústria, agora acontece o processo inverso.

O mais importante hoje passa a ser a articulação do urbano, independente de sua localização territorial. Esses aspectos caracterizam essa geografia de conexões, articulada em escala mundial e interconectada através da tecnologia de comunicação e informação e dos sistemas de transporte. São cadeias fibrosas que se interconectam formando uma malha de serviços especializados com formas de espacialização física muito particulares pelo fato de suas relações não serem localizáveis no espaço geográfico (PEIXOTO:2003, p.406 ). As cidades de Ipatinga, Coronel Fabriciano, Timóteo, Santana do Paraíso e Belo Oriente compõem a Região Metropolitana do Vale do Aço. Elas possuem limites espaciais muito frágeis, que muitas vezes não correspondem aos limites políticos ou sociais. A transposição de um município para outro acontece sem que se possa perceber com exatidão o término de um e o inicio de outro. Vê-se apenas uma alteração gradativa na qualidade do espaço construído, o que antes era uma seqüência de galpões metálicos de manutenção de veículos pesados marginais ao eixo rodoviário se transforma numa extensa área verde, controlada por radares e bem sinalizada.

Um tipo de representação urbana que indica uma linha tracejada entre os municípios não é visualizável na realidade dos lugares, trataria-se apenas de uma convenção. Ao mesmo tempo, outras localidades dentro do mesmo município podem possuir discrepâncias tão significativas que poderiam ser classificadas como diferentes territórios. Um deles pode estar socialmente e economicamente engajado com a dinâmica industrial da região, enquanto outro se desenvolve paralelamente sem qualquer relação ou participação dos benefícios gerados por esta atividade. A segregação territorial comentada por Ermínia Maricato em Conhecer para resolver a cidade ilegal aparece aqui encarnada nos assentamentos ilegais e bairros de periferia em Coronel Fabriciano, uma cidade ilhada entre dois grandes pólos industriais exportadores: Ipatinga e Timóteo. São áreas marginais ao Rio Piracicaba, ambientalmente frágeis por estarem sujeitas a enchentes e próximas ao Parque Estadual do Rio Doce, um dos maiores locais de preservação de mata Atlântica do Estado de MG. São também bairros que se desenvolvem em encostas de morros, de difícil acesso para veículos, expostas à ocorrência de desabamentos, desprezadas pelo mercado imobiliário, mas que se reproduzem.

A ilegalidade destes assentamentos humanos se reflete na falta de acesso dos moradores à urbanização: iluminação, água tratada, esgoto, drenagem, coleta de lixo, circulação viária, uma exclusão total: social, econômica, ambiental, jurídica e cultural (MARICATO:2003, p. 79). Uma série de infraestruturas industriais como plantações de eucalipto, locais de depósito de rejeito, linhas férreas, geram áreas residuais inapropriadas para a ocupação urbana. Estes locais se tornam espaços difusos: estão presentes mas não estão acessíveis na escala da cidade. São vazios urbanos na escala do pedestre, mas são extremamente valorizados como lugares produtivos numa escala mundial. A dinâmica industrial mobiliza grandes volumes de operários, muitos vindos de outras regiões devido a um grau cada vez maior de especialização dos serviços, gerando uma mobilidade populacional pendular constante. O entendimento e a visualização destes fluxos é um fator decisivo para se avançar nos métodos de representação urbana porque ultrapassa a esfera da descrição física dos lugares em direção aos processos de ocupação que o determinam. Todo um quadro de ocupação espontânea e de surgimento de novos bairros e aglomerados populacionais fragmentados aparece paralelamente aos espaços planejados da cidade.

Como modo de produção flexível atual não se preocupa mais em gerar os espaços para o desenvolvimento de sua força de trabalho os investimentos se dirigem para os sistemas de mobilidade (COSTA:2000, p. 107). Os fluxos de pessoas e materiais, muitas vezes, determinam os eixos de desenvolvimento urbano da região, uma superposição de ritmos diferentes da indústria contemporânea com os ritmos da cidade informal. A paisagem urbana é muitas vezes uma miscigenação de subprodutos industriais como as montanhas de escória, com áreas de preservação ecológica, infraestrutura de logística e galpões industriais. Uma superposição de diferentes territorialidades num mesmo espaço geográfico. É uma área metropolitana que concentra atividades produtivas que se apresentam dispersas, mas que se articulam numa rede virtual que engloba vários outros centros produtivos e mercados consumidores no mundo como Estados Unidos, China, Japão e Alemanha. Os pontos onde essa rede toca o território real provoca uma série de situações urbanas críticas geradas em função de um descompasso estratégico de um espaço produtivo e um espaço das práticas cotidianas.

A dinâmica industrial contemporânea opera o espaço como um sistema, com atividades sincronizadas, custos reduzidos, serviços terceirizados, profissionais especializados. Esses novas configurações de fluxos, paisagens mistas, práticas fragmentárias, espaços superpostos acrescentam uma novo espectro de atributos espaciais que os tornam difíceis de apreender através dos métodos atuais de representação espacial como afirma a socióloga Saskia Sassen:

"(...)vêmo-nos diante de representações profundamente inadequadas do que a globalização e o surgimento da economia da informação acarreta para as cidades" (SASSEN:1998, p.13-15).

Esse tipo de olhar mais subjetivo, que se coloca além dos aspectos físicos e analisa o espaço segundo seus processos e suas dinâmicas constantes vai buscar agregar valores mais qualitativos aos métodos de representação. Se trata de uma outra sensibilidade na maneira de revelar os atributos espaciais, levando em consideração uma subjetividade oculta que ignora descrições materiais empíricas. Sabemos que a inserção das tecnologias digitais de comunicação e informação em todos os setores da sociedade vem alterando fortemente e de forma irreversível a grande maioria das atividades humanas da seguinte forma:
. ampliando as fontes,
. agilizando os processos,
. acelerando dinâmicas,
. virtualizando contatos,
. estendendo presenças,
. inserindo novos graus de interatividade.
Esses fatores vêm, conseqüentemente, desencadeando mudanças cada vez mais recorrentes e mais rápidas na distribuição das atividades principalmente nos setores industriais e comerciais que hoje operam num mercado mundial e instantâneo. Esse quadro é válido não apenas para o Vale do Aço, mas para grandes centros urbanos e espaços produtivos de base exportadora com os quais inclusive o Vale do Aço se articula. A carência de métodos de representação coerentes com a realidade complexa destes espaços impede uma apreensão dos movimentos que o tencionam, além de nos deixarem sempre posicionados no exterior dos processos condicionantes.

2. As esquinas da representação espacial e possibilidade de dobra.

A arquitetura e o urbanismo têm utilizado como recurso de representação urbana uma linguagem gráfica apoiada em mapas aéreos onde constam todo o tipo de informação relativo à morfologia da cidade: aspectos topográficos, rede viária, localização de atividades, etc. Portanto, fornece apenas parte das informações relativas à dinâmica urbana, se apegando apenas às formas construídas que, na verdade, são as manifestações finais das cidades. Mas para entender o porque das formas construídas não basta apenas analisá-las enquanto objetos no território, mas apreender os processos pelos quais ela foi gerada; entender as razões que condicionaram a sua execução.

Esse descompasso que se presume existir entre os métodos de representação espacial e a realidade complexa dos espaços contemporâneos em grande escala oferece um campo de pesquisa potencial que pode instrumentalizar o arquiteto para análises de processos e desenvolvimento de projetos em grande escala que exigem cruzamentos constantes de informações. Acredita-se que qualidade das interferências no espaço contemporâneo pode ser ampliada a partir da compreensão dos seus processos, nas articulações de suas premissas, no monitoramento de suas atividades e usos, buscando agregar valores qualitativos e prospectivos aos métodos de representação. A programação de uma interface gráfica interativa em desenvolvimento no Laboratório Gráfico de Ensino de Arquitetura (LAGEAR) junto ao Núcleo de Pós-graduação da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG tem como objetivo propor novas formas de representação do espaço urbano contemporâneo encarando-o como um sistema em constante transformação. O modo como as informações estarão disponibilizadas vai buscar oferecer possibilidades não apenas de registro, mas de problematização do conteúdo a partir de suas diversas formas de exibição.

A construção deste mapeamento vai acontecer a partir dos recortes escolhidos de análise, de forma que cada pessoa envolvida com a interface terá a chance de criar seu próprio "mapa". A interface interativa será o suporte de acesso a um grande número de informações recolhidas e armazenadas em um banco de dados, que poderão ser acessadas sob diferentes formatos: textos, vídeos, sons, diagramas e mapas. Ao longo das pesquisas que se desenvolveram durante o ano de 2004, acompanhamos um avanço exponencial no surgimento e utilização de tecnologias digitais em diversos campos do conhecimento ampliando as possibilidades de registro e modelagem espacial. No que concerne a arquitetura, entretanto, a grande maioria dos softwares utilizados ainda se apóia na repetição de processos mecânicos de desenho arquitetônico contribuindo pouco para um maior envolvimento com aspectos processuais, intangíveis e relacionais encontrados, por exemplo, nas dinâmicas urbanas do Vale do Aço. As possibilidades oferecidas pelos novos softwares e novos dispositivos de registro, comunicação e interação presentes em nossa atualidade se encontram ainda inexplorados quando os confrontamos com a realidade complexa de nossa sociedade e dos espaços por ela gerados.

Aspectos como a inserção de novas variáveis temporais simultâneas, interações com volumes, construções diagramáticas, ações integradas de acesso à informação, pode permitir uma exploração dinâmica de um aspecto ou situação criada a partir de percursos de leitura, um feedback constante entre os implicados no processo de comunicação (MACHADO:1997, p.145-146). Algumas experiências de design de softwares de modelagem espacial já foram desenvolvidos com o intuito de oferecer novos caminhos para a compreensão de esquemas de organização e podem ter seu uso direcionado às análises de espaços urbanos.

Eles já admitem questões como as constantes alterações de dinâmicas e condicionantes num intervalo de tempo determinado, simulam mudanças de atributos do meio ambiente se preocupando com os processos, ou seja, se propõem a assumir os desequilíbrios e as constantes evoluções como parte integrante do registro. Esse é um aspecto fundamental para se avançar na direção de uma representação afinada com a realidade urbana. Um destes softwares é denominado DINAMICA e é baseado na aplicação de modelos de simulação a partir do autômato celular. Foi desenvolvido pelo Departamento de Cartografia, o Centro de Sensoriamento remoto e o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG. Em seu sistema, um conjunto de células interligadas imprimem movimentações que dão origem a diferentes tipos de arranjos segundo regras de transição. A posição de cada célula depende de seu estado prévio e da localização das células vizinhas que, em função de suas articulações, têm seus movimentos atualizados seqüencialmente em intervalos de tempo determinado. Esse tipo de comportamento matemático possibilita uma denominada modelagem de dinâmica de paisagem, oferecendo possibilidades de simulação de fenômenos como alastramento de fogo, difusão de epidemias, dinâmica florestal e urbana.

Entretanto, ao aplicar-se às dinâmicas de desenvolvimento e crescimento urbano é admitir que esse processo ocorre simplesmente segundo aspectos físicos lineares que se distribuem pelo território. Além disso, questões fundamentais como a proximidade podem se tornar irrelevantes dependendo do contexto. Muitas vezes, determinadas modificações urbanas são pensadas a nível bem mais amplo do que a escala local e subordinadas a um outro tipo de geografia, a geografia dos fluxos de capital, produtos e informações. Para que o espaço físico hoje seja projetado ou intervido ele não deve apenas ser analisado segundo suas característica físicas e geográficas, mas a partir de sua predisposição de se integrar a uma rede dinâmica de relações. A configuração de um espaço urbano resultante destas formas atuais de relações comerciais customizadas deve ser entendida como uma paisagem operativa, o espaço como um sistema. As redes de comunicação e informação são hoje um problema geográfico (MITCHELL:2002). Um dos fatores que atesta uma deficiência no sistema de representação de base topográfica para a arquitetura e o urbanismo é a própria redefinição do conceito de lugar e de espaço. Esses conceitos podem ser pensado a partir de, no mínimo, duas aproximações distintas. Uma delas, de cunho mais econômico, afirma que o lugar na economia globalizada não tem mais importância porque a dispersão das atividades econômicas produz novas formas de centralização territorial (SASSEN:1998, p.106 ).

A especialização dos serviços conduz a sua fragmentação que, se por um lado provoca a dissolução de um espaço fisicamente coeso, por outro leva a formação de vários centros especializados distantes mas integrados pelas tecnologias de informação e comunicação. Pensando de outra maneira, o conceito de lugar na arquitetura é também admitido como um espaço que permita e facilite o trânsito e o intercâmbio de redes distintas que se justapõem (SOLA-MORALES:2002). Um único lugar englobando diferentes formas de espacialidade distintas, com usos variados ao longo do tempo e programas que se alteram sem previsão. Em um artigo recentemente publicado na revista Wired, o arquiteto Rem Koolhaas, cofundador do OMA (Office for Metropolitan Architecture) chama a atenção para a proliferação de novas condições espaciais que emergiram nas últimas décadas. Essas alterações perpassam por várias esferas da sociedade: espaços domésticos, de trabalho, de lazer, espaços de encontro, espaços comerciais, industriais sobre os quais a ausência de parâmetros e limites precisos o tornam carentes de definição e formas de representação.

Dentre eles aparecem dois que se interelacionam num processo de causa e efeito: o espaço interligado em rede, virtualmente construído pelos sistemas de comunicação e que redefine a nossa percepção e compreensão de mundo em função da subversão da necessidade de distância física; e as novas fronteiras, geografias em constante modificação geradas a partir desta rede e que envolve outros critérios de união: afinidades político-partidárias, articulações de empresas multinacionais, blocos de países que gozam de prosperidade social contra outros em lento desenvolvimento, paraísos fiscais, maiores mercados consumidores, semelhanças e diferenças que independem de posição geográfica. É frente a estas novas organizações espaciais que surgem novas situações urbanas que tentamos compreender: novas formas de dominação, novas formas de relacionamento, pesquisa, de protesto, etc. Percebemos a multiplicação de posturas diante da apreensão e compreensão do lugar, abrindo oportunidades para se pensar novos mecanismos gráficos que admitam outras dimensões de representação e compreensão do espaço físico a partir de instâncias mais diagramáticas, inserindo o pesquisador no interior dos processos, ao invés de no exterior de uma forma percebida.

No projeto Space Syntax, desenvolvido pela University College London, os métodos de representação espacial abordam o meioambiente urbano a partir do que se denomina de "lógica generativa", técnicas sistemáticas que buscam detectar padrões de movimento e interação a partir dos quais o crescimento da cidade está condicionado. Os levantamentos e aproximações são realizados através de observações matemáticas de comportamento de determinada região e englobam procedimentos como contagem de pessoas num determinado período de tempo em uma certa localidade, ou seja, dados empíricos que servem de fonte para a construção dos mapas que, segundo eles, desenham o espaço a partir do modo como ele é usado. É importante comentar que isso é, na verdade, um recorte, estabelecido dentro dos vários modos de se utilizar um espaço: o que avalia seus fluxos, sentidos, direções e intensidades de mobilidade e acessibilidade.

No Space Syntax essas informações estatísticas são depois lançadas em um mapa axial digital da região estudada onde o computador analisa matematicamente vetores e eixos de deslocamento, avaliando cada eixo em função das distâncias relativas entre eles e de suas possibilidades de conexão física. Uma importante postura assumida pelo laboratório londrino é admitir a cidade como um objeto em processo e cujas estruturas emergentes são criadas por um grande número de decisões em pequena escala (HILLIER:2004) Eles criticam as técnicas de modelagem por computador que são descritivas e estáticas, e tentam desenvolver uma ferramenta digital que acompanhe a dinâmica urbana através de simulações de crescimento, definições de padrões, possíveis efeitos de alteração da rede viária que permitam especular possibilidades ao longo do processo de pensamento assistindo as estratégias de intervenção. É um tipo de análise sintática, que avalia e relaciona as pequenas partes que compõem um todo urbano. Apesar do fato de ser bastante estruturalista e de relativizar aspectos topográficos, toca em um ponto interessante que é a complementaridade na formação dos espaços urbanos. Avalia tanto o espaço produzido quanto os fluxos gerados com pesos iguais, de modo que tanto os espaços podem se configurar como atratores de movimento quanto os próprios fluxos direcionam um modo de ocupação "oportunista". Mesmo utilizando uma metodologia de observação urbana a partir de suas estruturas de mobilidade, permanecem criando um tipo de interfaces que se prende a eixos viários, esquemas aéreos de observação e disposição dos conteúdos superficialmente .

3. Interface Gráfica Digital Interativa

A interface digital em desenvolvimento no LAGEAR se apóia em softwares de programação aberta que oferecem possibilidade de articular uma série de formatos digitais de levantamentos que estão sendo coletados por outros pesquisadores envolvidos. Ela busca criar uma interface operativa que admita diversos modos de visualização do conteúdo de modo a potencializar problemáticas durante a construção dos diagramas. É importante se pensar em como trabalhar com a informação de forma a não se criar um imenso banco de dados apenas, mas problematizar as informações através das diferentes formas de exibição de seu conteúdo. Esse tipo de representação, que se atualiza a partir de "estímulos" ou interferências externas, está, conseqüentemente, sempre inacabada. O que ela busca exprimir é um conjunto de fatores e variáveis responsáveis pela configuração das atividades humanas e dos espaços por ela ocupados e construídos ao longo do tempo. A proximidade entre os fatores urbanos não está atrelada às distâncias físicas, mas a atributos de acessibilidade ou inacessibilidade, disponibilidade, que se referem mais a quais os vínculos possíveis entre eles.

Esses mecanismos deverão capturar sentidos de relações e ações mutáveis de um sistema que se ordena em função de redes, fluxos e conexões, evitando considerar corpos, espaços e eventos de forma descritiva, representativa e sintética, permitindo a superposição de diferentes temporalidades num mesmo espaço (NOVAK:1999, p. 42 ). Uma lista de softwares de autoria multimídia possuem uma linguagem de programação que permite construções abertas, interativas utilizando simultaneamente vários formatos de arquivos digitais. O Macromedia Director é um dos itens desta lista que, além da aplicabilidade no gerenciamento de formatos tridimensionais interativos, oferece possibilidades de integração com vários outros softwares. O Macromedia Director, bem como os outros softwares que tenham estas qualidades, poderão vir a ser muito úteis cartografando uma realidade complexa que altera a conformação física e a qualidade dos espaços urbanos; seus fluxos migratórios, constituição de paisagens artificiais, presença de vazios, demanda de infraestrutura e relações entre o formal e o informal. Associando as possibilidades oferecidas pelos softwares multimídias com novas categorias de análise do espaço urbano da região do Vale do Aço, pode ser possível pensar em uma nova cartografia dirigida aos processos espaciais, e menos apoiada no objeto físico.

Um tipo de representação que consiga identificar e as relações entre os sujeitos que atuam no território, suas intensidades, vínculos, partindo da superposição das visadas e buscando múltiplos níveis de análise. Neste sentido, valorizando o maior nível de comparações possíveis, cruzamentos de informação e atualização de dados. A intenção desta interface é também criar um registro interativo que permita compreender quais os pontos onde as dinâmicas virtuais tocam o território urbano; de que forma as práticas sociais da região estão relacionadas com outros fatores em outras esferas de lugar. Estabelecer estratégias de mapeamento de um espaço que não é visual: não há horizonte, nem perspectiva, nem limite, contorno ou centro (PEIXOTO:2003, p.405). O desenvolvimento de uma interface gráfica no Macromedia Director passa necessariamente por um estudo de sua linguagem de programação, que vai gerenciar as possíveis formas de exibição do conteúdo coletado sob as mais variadas formas e fontes. Essa interface é uma mediadora de pesquisas e ao mesmo tempo aproximadora de conteúdos. Nela podem ser criadas as colisões entre esses conteúdos, produzindo gráficos e diagramas abstratos, potencializando as formas de compreensão dos fenômenos responsáveis pelas alterações na configuração territorial, a identificação dos agentes envolvidos e as relações entre eles.

Baseado nisso, foram desenvolvidas linhas de comando capazes de atribuir determinadas respostas para colisões ocorridas entre objetos tridimensionais modelados por computador. O computador é o operador de potencialização da informação, isto é, as informações e dados recolhidos são armazenados em sua memória e se tornam disponíveis para futuros acessos (LÉVY:1996). Os modelos tridimensionais podem ser manipulados segundo as intenções do pesquisador, que se envolve com a construção desse repertorio de dados segundo sua abordagem particular. A medida que as colisões vão acontecendo, o conteúdo se atualiza, e diferentes formas de exibição vão surgindo. Segundo Pierre Lévy, esse tipo de linguagem oferece uma relação muito mais intensa com a leitura e o desenrolar do pensamento, pois se estrutura em redes sob o formato de hiperlinks, possibilitando múltiplas formas de aproximação. Na verdade, um exaustivo levantamento de dados regionais já foi feito por inúmeros institutos de pesquisa.

Entretanto, a forma como eles são disponibilizados ocorre na maioria das vezes através de exaustivos gráficos e tabelas. Partindo da idéia de se ter um conteúdo organizado como uma rede tridimensional, o leitor participa da estruturação de sua leitura criando novas ligações que podem ser modificadas, justapostas, movimentadas até compor um processo ativo de análise onde a leitura torna-se um ato de escrita, uma postura de complementaridade entre conteúdo e leitor. A preocupação em levantar informações sobre o Vale do Aço e investigar formas de mapeamento e representação para um entendimento dinâmico dos processos e dos agentes que atuam na região surgiu primeiramente no grupo de pesquisa Cartografias Urbanas do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Unileste em Coronel Fabriciano. Esse tipo de postura gráfica crítica e analítica frente às circunstâncias urbanas particulares da região constitui uma de suas linhas de pesquisa. O grupo busca envolver alunos, professores e pesquisadores de outras áreas e instituições de forma a compor canal de discussões fundamental para a compreensão da região.

Considerações Finais

A multilateralidade é uma característica dos grandes centros urbanos contemporâneos. Eles se ordenam segundo uma série de estruturas: econômicas, políticas, sociais, ambientais, energéticas, culturais, etc; isso demanda dos profissionais envolvidos com a análise e intervenção da cidade um agenciamento de questões que vão muito além do desenho urbano ou da forma da cidade, superando as questões meramente morfológicas, tornando impossível seu estudo a partir de uma perspectiva aérea somente. A multitude de fatores que participam e se entrecruzam na configuração do cenário urbano atual exige do arquiteto, urbanista ou pesquisador novas possibilidades de levantamento, registro e articulação destas complexidades. Os softwares de interação multimídia são ferramentas que tem demonstrado muita utilidade no agenciamento de informações das mais variadas fontes que dizem respeito à formação e ao comportamento do território urbano atual frente às novas tecnologias de comunicação e interação.

A programação de uma interface digital especula possibilidades de concepção de um local onde o homem pode não apenas acessar informações relativas a uma determinada situação, mas problematizá-las. Estes softwares possuem uma linguagem de programação aberta que permitem sua aplicação para os mais genéricos tipos de utilização. Na maioria dos casos para potencializar a simples exibição de projetos, configurar jogos ou criar aplicativos auto-executáveis. Mas o que se tem buscado em laboratório é a sua aplicação como instrumento de potencialização do pensamento arquitetônico e urbanístico diante de uma crescente e incessante complexificação dos espaços contemporâneos. As maiores dificuldades estão na programação destas interfaces, em suas linhas de comando. São comandos script que demandam muito tempo e paciência por parte do pesquisador às vezes para a resolução de um problema relativamente simples. Além disso, a dificuldade de acesso às versões e manuais mais atualizados emperram o desenvolvimento mais rápido da linguagem de programação gerando uma dependência de tutoriais obtidos da Internet ou de dicas de grupos de discussão eletrônica. Finalmente, a especificidade deste assunto no âmbito da arquitetura e do urbanismo reduz bastante o leque de pessoas com as quais se pode discutir e tirar dúvidas. Neste sentido agradeço a contribuição de todos do LAGEAR que se mostram sempre interessados e disponíveis para contribuir com o avanço dos projetos em desenvolvimento.

Referências Bibliograficas:

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Documentos:

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