Interfaces Gráficas e Cidades
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG – 2005
O documento completo da dissertação contendo definições aprofundadas dos conceitos, explicações sobre as programações, referências bibliográficas e demais dados de interesse acadêmico profissional pode ser baixado AQUI
Apresentação
O computador tem se inserido cada vez mais nos processos de análise e apresentação de dados na arquitetura e no urbanismo, proporcionando relações mais dinâmicas entre as informações e oferecendo outras possibilidades de aproximação por parte do usuário-interator e pesquisador. Os softwares de autoria multimídia têm revelado um potencial importante na construção de interfaces gráficas nas quais as múltiplas formas de associação de seus conteúdos produzem um ambiente investigativo para a reflexão crítica das teorias do espaço. As interdependências entre diversos tipos e formatos de informações podem instaurar um comportamento relacional deste conteúdo que tornam visíveis uma série de situações fundamentais para a compreensão da conturbada espacialidade urbana contemporânea presentes em várias regiões do Brasil, como é o caso do Vale do Aço, analisada aqui como estudo de caso.
Definição dos critérios de apreensão-percepção do espaço
Seguindo uma sequência de procedimentos para a construção da interface digital interativa parte- se de um primeiro estágio: o da apreensão espacial e levantamentos de dados. A apreensão é um posicionamento investigativo diante da realidade espacial do Vale do Aço, de forma que o seu registro não esteja nunca desvinculado de um olhar crítico. A composição de um banco de dados para os protótipos da IDVA (Interface Digital do Vale do Aço) passa necessariamente pelo processo de apreensão de dados relativos ao território, de forma que as informações coletadas compreendam uma amplitude de escalas, que perpassem tanto pelas características locais quanto globais. Não se trata portanto de uma mera coleta de dados, ou de um simples levantamento empírico, mas de uma apreensão questionadora de uma mesma realidade dada a partir de diferentes olhares e posicionamentos estratégicos. É, portanto, fundamental um posicionamento analítico do observador diante do que se pode ler, não pressupondo uma neutralidade a priori de seu olhar. Esta postura indaga sobre a própria condição de “observador”, uma vez que uma para apreensão que repouse sobre bases críticas exija uma postura menos passiva e mais “exploratória”.
No caso específico dos protótipos da IDVA, os espaços urbanos e suas situações críticas foram apreendidas a partir de levantamentos fotográficos, de áudio e vídeo digital da região, além de mapas e imagens de satélite coletados de fontes de pesquisa na internet, e depoimentos e informações estatísticas recuperadas de institutos de pesquisa como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Fundação João Pinheiro (FJP). O levantamento contou com a contribuição dos pesquisadores do Grupo de Pesquisa Cartografias Urbanas do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UNILESTE
O Desenvolvimento da Programação (script language LINGO)
A combinação da informações foi concebida utilizando-se a script language do software Macromedia Director Shockwave, que apresenta linhas de programação com significativo grau de abertura e inteligibilidade possibilitanto diferentes formas de correlacionamento de informações. Vários softwares de autoria multimídia possuem, além dos menus e ícones, esta linguagem de programação denominada scripts que oferecem aos usuários uma gama muito superior de possiblidades de desenvolvimento de interfaces gráficas do que simplesmente através dos menus. Na maioria dos casos, é somente através destas linhas de programação que o usuário pode alcançar a totalidade dos recursos disponíveis destinados a criar interações complexas e simultâneas entre textos, gráficos, imagens, vetores, animações, sons, modelos tridimensionais e panoramas VRML. As imagens abaixo mostram frames da concepção geral das interfaces, da distribuição das informações, extratos das programações elaboradas e detalhes dos controladores, botões e sliders.
Protótipo-Interface #1
Neste primeiro protótipo-interface, uma determinada região da cidade pode ser escolhida e visualizada a partir de seus bairros constituintes bastando para isso que seus ícones representativos estejam em contato (colisão) uns com os outros. A estes ícones podem se sobrepor com outros ícones relativos a outras categorias especiais, e assim produzir uma ‘imagem relativa’ constituída por vídeos, fotos e diagramas correlacionais. Neste caso específico estão atribuídos parâmetros de visibilidade às condições de interseção entre os ícones. A sintaxe if…then decision é uma das principais articuladoras dos aspectos de visibilidade para os elementos gráficos na IDVA#01, possibilitando constantes sobreposições de imagens a partir de condições de contato entre os elementos na matriz operativa.
Protótipo-Interface #2
A IDVA#02 utiliza parte das linhas de programação da IDVA#01 mas acrescenta novas variações que objetivam criar condições de interação mais flúidas, ou seja, propor sistemas de ações variantes capazes de modificar dinamicamente os parâmetros estruturais da interface sejam eles de visibilidade ou localização durante a navegação.
A noção de estrutura não deve ser porém associada à rigidez ou formalismos estáticos, mas à “transformação, virtualidade, atualização, possibilidades, movimento; a estrutura como sistema de relações, de possibilidades de relações que serão ‘preenchidas’. A estrutura como movimento, como potencialidades e possibilidades do vir a ser” (Andrião, 2003: 24). Esse tipo de visão do conceito de estrutura aplicado aos softwares de autoria multimídia nos incita a pensar um modo de desenvolver interfaces nas quais os elos de ligação entre os elementos constituam conexões dinâmicas de interação, ao contrário da rede atualmente empregada nas hipermídias, que repousam sobre a ferramenta estática dos hiperlinks, como nos mostra Manovich:
“Na hipermidia, os elementos multimídias que compõem o documento estão conectados através de hiperlinks. Assim, os elementos e a estrutura se tornam independentes um do outro” (Manovich, 2002: 38)
A utilização de modelos tridimensionais buscou também uma outra forma de dispor imagens digitais que não fosse sequencial. Diferentemente dos métodos de visualização de imagens na atualidade que utilizam sucessões de imagens subsequentes do tipo frame a frame, a modelagem tridimensional permite a espacialização de imagens e a sua navegabilidade, criando com isso, condições de se experienciar as imagens simultaneamente e combinatoriamente
Protótipo-Interface #3: A experiência do tempo numa “paisagem interativa”
A linguagem de programação LINGO se constitui principalmente de objetos, ações, parâmetros e propriedades. Todos estes elementos são perpassados por uma ou mais localizações temporais específicas denominadas sprites. Numa interface desenvolvida a partir do Macromedia Director, os elementos podem estar presentes em mais de um intervalo de tempo, que por sua vez não obedece um desenrolar linear. Cada um deles pode ser clonado e apresentado em diferentes circustâncias de exibição. Além do fato de não ser linear, a temporalidade da interface digital também pode ser clonada como ocorre com os outros elementos, e sua sequência, ao contrário das interfaces mais comuns como Microsoft Power Point, Adobe After Effects, Quicktime VR, pode ser retemporalizada ao longo da exibição. Ou seja, cada exibição possui um tempo próprio, que é inerente à sua atualização. Ele vai sendo construído à medida da interação com o usuário, podendo oferecer desta forma diversos momentos de produção de um encadeamento crítico por parte dele. A recriação digital do tempo permite que ele seja manipulado, acelerado, congelado, superposto, esticado ou invertido, de forma a produzir um ambiente multitemporal contrariando o que é considerado por alguns autores como Huchet que colocam que: “muitos autores concordam em sublinhar o caráter “u-crônico” da imagem numérica, isto é, sem tempo próprio” (Huchet).
Além de modificar a nossa percepção de tempo, a tecnologia digital nos apresenta também novas possibilidades de representar o tempo e de lidar com situações onde o tempo não se apresenta de forma sequencial e linear. Através dela é possível estabelecer uma leitura do espaço a partir de um filtro multitemporal, superposto e instantâneo.
Na IDVA#03, buscou-se desenvolver um processo de apresentação de informações que partisse da decomposição da paisagem local em suas diferentes temporalidades, estas consideradas aqui como parâmetros de discernimento crítico entre as atividades desenvolvidas, e os espaços utilizados. Iniciou-se a apreensão na região tomando-se como referencial o eixo rodoviário da BR381, historicamente o articulador de desenvolvimento urbano da região do Vale do Aço. De uma maneira geral, o percurso ao longo da rodovia proporciona a fruição por diversas temporalidades muitas vezes incompatíveis. À medida em que se percorre este eixo viário, uma série de cenários diferentes vão rapidamente se sucedendo: viadutos e terminais de carga, galpões industriais, áreas de monocultura, fragmentos de ocupação em encostas, regiões de preservação de mata atlântica e zonas de depósito de rejeitos industriais, clubes, sopping centers e residencial services. Neste eixo, a paisagem é composta por uma série de retalhos que incluem paisagens artificiais, espaços infraestruturais, ocupações em encostas, zonas de rejeito industrial, fragmentos de bairros, áreas de serviço automotivo, empreendimentos comerciais, tornando a nossa experiência visual uma sucessão de cenários confusos e sem relação.
A experiência visual da IDVA#03 explorou os formatos Quicktime VR, responsáveis por gerar panoramas reativos formados pela fusão de imagens digitais. A sucessão de imagens revelam diversos aspectos locais como: os tipos de serviços prestados, a forma e a disposição dos edifícios, as relações entre espaços de trânsito e de pedestres, as formas de ocupação urbana, as relações sociais construídas, etc. Ao usuário é oferecida a possibilidade de combinar estes ítens visualmente e sonoramente, numa tentativa de propor a construção de relações entre elas. Imagina-se que a experiência prática de combinação de imagens quase nunca está dissociada de uma pré-análise ou um pré-julgamento das suas potencialidades de associação, podendo resgatar uma capacidade de encadeamento crítico por parte de quem as manipula.
A sucessão de imagens panorâmicas buscou oferecer ao usuário uma experiência de percurso a partir de diferentes velocidades de transição das imagens associadas aos registros sonoros da rodovia. A interface procurou explorar a capacidade de reposicionamento do usuário diante das diferentes realidades que a ele é apresentada, propondo uma experiência temporal múltipla e dinâmica de apreensão. Com relação aos conceitos apresentados na interface, sua visualização fragmentada e independente faz com qua a experiência do texto seja como a de uma imagem. Entretanto, a medida em que se combina prefixos, radicais e sufixos gerando palavras, a interface demanda um outro nível de interpretação da ordem dos sigificados conceituais, que busca instigar possíveis definições ou reinvenções tais como: trans_arid_ismo, des_acab_ado, hiper_esteril_ez. Considerando que a relação interativa deve oferecer possibilidades de construção de um percurso crítico a partir de interpretações particulares de um conteúdo não-linear, a problematização pode ser potencializada no momento em que o usuário se “esbarra” com aspectos incertos e sem significado imediato. Neste ponto, surgem aberturas para que ele deposite uma bagagem crítica pessoal para elementos que demandem definições.
Portanto, a IDVA#03 buscou explorar uma experiência de inserção do usuário no interior de uma navegação interativa, atribuindo a ele a responsabilidade de gerar definições, criar conceitos e, assim, produzir informações. Admitindo que o computador é um ambiente de manipulação de dados e que as informações somente se consolidam a partir da interpretação destes dados, as interfaces digitais podem estimular a produção destas informações a partir da problematização da
exibição dos dados. No entanto, a manipulação crítica e a criação destas informações se dá no usuário, no ato de interpretação e crítica. A interface sugere caminhos a serem percorridos, mas eles serão construídos e definidos à medida do envolvimento externo. A noção de percurso busca admitir uma experiência temporal na apresentação gráfica, que possa estabelecer um outro horizonte para a estaticidade da imagem a partir da experiência de duração.
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O documento completo da dissertação contendo definições aprofundadas dos conceitos, explicações sobre as programações, referências bibliográficas e demais dados de interesse acadêmico profissional pode ser baixado AQUI