A denominação Deconstrutivista (ou Desconstruivista) surgiu a partir de uma exposição realizada no MOMA (Museu de Arte Moderna) de Nova York, em 1988. A exposição buscou reunir uma confluência
de trabalhos que apresentavam uma aproximação
propositiva de projetos com abordagens críticas similares. Foi organizada por Marc Wigley e Philip Johnson, e incluia nomes como Rem Koolhaas, Peter Eisenman, Coop Himmelblau, Daniel Libeskind, entre outros. Analogamente ao fato de que outras exposições como Modern Architecture realizada em 1932 consumou
arquitetos como Walter Gropius, Le Corbusier e Mies van der Rohe como referências para a difusão
do Estilo Internacional como elemento de substituição dos estilos românticos, neoclássicos e decorativos
do cinqüentenário prévio, a exposição de 1988 também teve papel determinante na consagração de um pensamento original advindo do grupo de arquitetos que apresentava. Muitas das considerações aqui realizadas tomam como referência o catálogo da exposição, intitulado organizado Deconstructivist Architecture e organizado por Marc Wigey.
Tomando inicialmente um caminho da análise morfológica das obras desconstrutivistas, podemos considerar que a ideologia do processo de concepção toma como condição o fato de que nenhuma forma vem de um lugar neutro, mas sempre estão relacionadas à outras formas que as precederam. Não é por acaso que diversos projetos descontrutivistas traçam uma clara analogia morfológica com o Construtivismo russo, movimento artístico-político realizado na Rússia no início do séc. XX. É possível estabelecer relações pertinentes, considerando este recorte analítico, entre obras de Vladimir Tatlin e Zaha Hadid, ou entre Alexander Rodchenko e Coop Himmelblau. Claramente as obras expostas apresentam um diálogo muito mais intenso com este movimento do que com a pureza formal do Estilo Internacional. Este último revela explicitamente em suas concepções geométricas um desgosto pela desordem, pelo conflito, adotando uma estabilidade estrutural fruto de uma harmonia, unidade e coerência entre os elementos construtivos.
Num caminho reverso, a arquitetura desconstrutivista apresenta-se como uma ameaça
a estes valores formais, portando uma sensibilidade alternativa na qual o ideal de uma forma pura é radicalmente desfigurado. Os projetos despertam veementemente uma perturbação formal que, ao contrário de uma aplicação de conceitos geométricos, são tidos como uma imanência conceitual morfologicamente traduzida em arquitetura. Num primeiro olhar, assemelha-se literalmente a uma demolição, embora não seja esta a condição ponderada pelos arquitetos. Trata-se ao contrário de uma crítica aos valores de harmonia, unidade e estabilidade,
propondo uma concepção diferente da estrutura que seja apta a admitir fendas,
brechas e deslocamentos como algo intrínseco.
"O arquiteto
não é um desmembrador de edifícios, mas alguém
que localiza dilemas inerentes às construções, colocando a pureza formal de lado, identificando e exprimindo sintomas de uma impureza
reprimida". Incorporam estratégias de interrogação formal imprimindo a formas geométricas puras forças violentas de distorção. Recuperam a linguagem formal dos construtivistas: diagonais, espirais, combinações experimentais, entre outras estratégias que geraram uma importante reviravolta na arte e na arquitetura do início do século XX. A vanguarda russa ameaçou
a tradição infringindo as regras clássicas de composição. Tatlin e Malevich, este último referência para o Suprematismo, especulavam novas soluções geométricas colocando
formas puras em situação de conflito, em momentos de instabilidade, sem descanso ou repouso. Não
haviam eixos unificados estruturantes nem hierarquia definida entra os elementos formais, mas uma sequência de arranjos conflitantes. Formas geométricas puras eram usadas como fonte para a produção de resultados impuros, desviados, composições
a-geométricas. Ao longo da Revolução Russa de 1917, a arte e a arquitetura eram formas adotadas de agitação popular, usada para a promoção dos objetivos
e ideiais revolucionários. A revolução social é acompanhada por uma revolução artística, e as bases conceituais eram similares, autênticas e politicamente engajadas, dando muito mais solidez para ambos.
Uma grande parte do discurso político e da especulação formal não às vias de fato em termos produtivos e construtivos. Se por um lado o desenho de linhas e cabos distorcidos, volumetrias complexas eram insistentemente experimentados, muitas construções acabaram por simplificar algumas soluções, tornando-os mais suavizados, um pouco mais purificados. Apesar disso, a influência da investigação artística produz desdobramentos em diversos setores das chamadas artes marginais, composições de cenários, decorações na rua, tipografias, design gráfico, moda, fotografia e cinema.
Eles deixaram uma cicatriz permanente na história da arte e da arquitetura. Podemos dizer que o desconstruivismo tenta reabrir violentamente essa fissura, propondo reconsiderações radicais das possibilidades de investigação dos processos de concepção e experimentação do espaço.
O projeto
radical das vanguardas russas foi incompleto na arquitetura quando analisamos o rebatimento prático no resultado da arquitetura que fôra produzida. O movimento exerceu uma grande influência no pensamento arquitetônico, mas acabou por
ser deixado em segundo plano com o desenvolvimento da arquitetura do movimento moderno. A tentativa
bem sucedida de puruficação arquitetônica e a retirada da ornamento da tradição
clássica foi muito aceita também em função do contexto político econômico e as experiências das guerras. A obsessão pela estética funcionalista e a busca pela pureza da estrutura prático-funcional da arquitetura era justificada pela carência de recursos em todos os setores da sociedade.
Wigley considera que existem também incoerências no projeto moderno como o fato de que o invés
de usarem as necessidades específicas do programa funcional para
gerar a ordem básica dos projetos, eles apenas manipulavam a
superfície de formas puras geométricas de uma maneira que aludisse
ao conceito geral da função. Nesse sentido, articulavam a superfície
de uma forma arquitetônica de maneira a marcá-la com a pureza, mas apenas substituíam o
invólucro clássico por um moderno, sem transformar a condição
fundamental do objeto arquitetônico. Segundo o autor a arquitetura moderna permaneceu arraigada à estabilidade.
Os projetos
deconstrutivistas exploram a relação entre instabilidade
da vanguarda russa e a estabilidade do modernismo.
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Uma parte importante do investigação desconstrutivista trata da discussão das possibilidades de superação da frieza
oculta do Estilo Internacional e da pertinência das formas conflitantes da vanguarda russa. Esta vanguarda aparece sempre presente na discussão desconstrutivista sobre investigações espaciais e morfológicas. Eles foram responsáveis por um determinado repertório de estratégias capazes de desestabilizar estruturas existentes e dar força às iniciativas de subversão de modelos tradicionais de arquitetura. Instauraram um conflito e um estranhamento importante para a discussão sobre os horizontes da produção do espaço na arquitetura e na arte.
Podemos considerar em parte que os projetos deconstrutivistas se constituem morfologicamente como um
novo olhar das experiências do construtivismo, atualizados com um discurso pós-estruturalista recuperado de autores como Derrida. Apesar de estar situado em contexto político-econômico bastante diferenciado, instauram uma mesma condição de investigação crítica, especulação e estranhamento dos modelos arquitetônicos tradicionais.
"O incômodo
formal não é resultado de uma violência externa, não
é uma fratura, ou um corte, ou fragmentação. Incomodar
a forma pelo seu exterior não é ameaça-la, apenas
machucá-la. O dano produz um efeito decorativo, uma estética
do perigo". Ao invés
disso, trata-se de perturbar as formas seupelo interior. Isso não
significa que geometrias contorcidas se tornaram algum tipo de decoração.
O distúrbio interno na verdade deve ser incorporado na construção,
na estrutura interna, como se um parasita tivesse infectado a forma
distorcendo-a de dentro para fora. A forma
se distorce dela mesma, mas essa distorção não a destrói. Ela, de alguma maneira, permanece intacta. É uma arquitetura
de deslocamentos, distorções, rupturas, mais do que demolição,
decomposição e desintegração. De alguma
maneira, a forma sobrevive a essas torturas. Torna-se uma icógnita
saber o que veio primeiro, a forma ou a distorção, o parasita
ou o hospedeiro. Não existe um limite onde a forma perfeita
termina e as imperfeições começam. Para remover
o parasita, somente matando o hospedeiro. Tudo isso produz
ansiedade, inquietude, desafiando o senso de estabilidade,
de coerência que convencionamos associar com as formas puras".
O sentido de deslocamento das propostas desconstrutivas não parecem portanto ocorrer apenas no aspecto formal, mas também entre forma e contexto. Segundo eles, o contextualismo tem sido usado
como uma "desculpa para a mediocridade". Para Wigley, projetos deconstrutivistas não ignoram
contextos, não são anti-contextuais, mas fazem
intervenções específicas, buscando o "não-familiar". Através da intervenção, elementos
do contexto se desfamiliarizam.
Processos de ruptura entre forma e contexto provocam um estranhamento emanente que atinge também as relações entre interior e exterior. Nesse momento a forma não
exerce mais um papel de divisão de espaços, emtre o dentro e o fora. Não existem janelas simples pontuando
uma parede sólida. Toda a condição de fechamentos
é reconfigurada e retrabalhada.
O deconstrutivismo busca explorar as fragilidades da tradição, mais do que substituí-la. Não abandona a tradição,
mas tenta ocupá-la desde o centro, de maneira a sugeir
que arquitetura está sempre infectada, e que as formas puras estarão
sempre sendo contaminadas por agentes e forças externas. Na organização do catálogo da exposição, Wigley considera que os projetos exibidos não são
uma projeção do futuro nem tampouco uma lembrança
do passado. Almejam chegar a um ponto específico da tradição, com "sob a pele", e deste lugar estabelecer suas posições críticas, de dentro para fora.
A arquitetura
deconstrutivista localiza os limites, acha novos territórios
utilizando repertório formal prévio. Os projetos trabalham com uma a índole, a consciência e o valor dos edifícios,
sem deixar de lado as preocupações com a execução, o ato construtivo, a edificação. Os questionamentos
dirigidos às formas puras geram um empuxo estrutural que a leva até os seus limites, mas não
além. Trata-se de um efeito de desestabilização estrutural uma perturbação, e não de destruição, não de colapso. Os edifícios
são extremamente sólidos, mas uma solidez não familiar,
que eleva nosso senso de estrutura até um outro patamar, deslocamento esse que propaga-se até o espaço da função.
Na arquitetura
deconstrutivista a ruptura das formas puras promove uma complexificação
dinâmica das relações funcionais. Se antes a forma seguia a função, agora ela segue a deformação.
"Os arquitetos
têm que deixar de lado as completas abstrações e se confrontar
com a materialidade dos objetos construídos. O trabalho crítico
só pode ser feito na construção, fazendo do edifício uma instância crítica teórica. Teóricos são
forçados às ideologias santuárias. Os projetos podem ser
carregados de teoria. As proposições tomam forma nos objetos
mais do que na abstração verbal".
"Os projetos
podem ser analisados mais estritamente sob aspectos formais, porque
a condição formal carrega toda a força ideológica.
O deconstrutivimo não é um estilo, é um ponto de
interseção no programa dos arquitetos. O episódio
será curto, não é um novo estilo mas os projetos
apenas compartilham sua estética, exploram o potencial obscuro
do modernismo. O que ocorre são discussões a respeito
de harmonia, estabilidade e unidade. Não é uma forma de
expressionismo, o discurso é sobre forma e não sobre consciência.
Uma arquitetura que desliza entre o conhecido e o desconhecido. A forma
se auto-distorce para se auto-revelar nova".
Referências Bibliográficas:
. JOHNSON, Philip; WIGLEY, Mark. Deconstrutivist Architecture. New York: The Museum of Modern Art (MOMA)
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