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Outros artigos do Prof. Bruno Massara Rocha

DIAGRAMAS DIGITAIS EM ARQUITETURA

Palavras-chave: diagramas; tecnologia conceitual; metodologia processual; apresentação espacial

Os diagramas digitais podem ser entendidos como instrumentos visuais usados para compreender diversos tipos de informações digitalizadas. O seu uso na arquitetura vem buscando ampliar o leque de possibilidades de apresentação espacial em situações que demandam um alto grau de articulações e que se redefinem com frequência. Uma das características fundamentais destes métodos comunicacionais é seu forte poder de síntese, que permite a produção de imagens esquemáticas contendo mais informações de que em muitas linhas escritas.

Na visão de Spuybroek, os diagramas digitais são “um movimento em direção a um metadesign" [1] ou seja, uma apresentação que antecede ou transcende o desenho, apresentando os caminhos através dos quais o objeto ou situação foi alcançada. Partindo da idéia de que o espaço contemporâneo tem cada vez mais se organizado através de complexos sistemas de relações integradas, a apresentação baseada em processos diagramáticos parte de um princípio de desordem, no sentido de maior fluidez e menor linearidade, e busca se comportar como um sistema informacional, um sistema de decisões em rede. Segundo os fundadores do escritório UNStudio, os holandeses Ben van Berkel e Caroline Bos, o diagrama digital é uma técnica representacional que mostra as relações entre a idéia e a forma, entre conteúdo e estrutura de uma determinada postura conceitual responsável pelo que convertemos posteriormente em realidade [2]. Eles envolvem uma aplicação de elementos sugestivos e aspectos como o tempo, ação, personagens, lugares, eventos, durações, trajetórias combinados entre si de forma a permitir não apenas o entendimento de uma situação específica, mas das causas que levaram a ela.

Utilizada desta forma, um processo de projeto baseado em diagramas digitais não se preocupa em reproduzir uma determinada forma física, mas busca explicar as relações espaciais, revelando as estruturas de organização. Segundo estes arquitetos holandeses, o diagrama digital não é apenas uma explicação, como algo que vem a posteriori, ele atua com o intermediário, tocando no processo de geração do espaço e evidenciando suas relações de força. É neste sentido que os processos de apresentação contemporâneos devem sempre perguntar como um espaço foi gerado e menos qual forma ele possui. Este tipo de postura que encara a apresentação do espaço enquanto um sistema aberto de relações, que permite cruzamento de dados de diversas naturezas e não possui uma forma final padronizada é compartilhada e desenvolvida tanto por Berkel e Bos quanto por Spuybroek.

Analisando a aplicação dos diagramas digitais na arquitetura e urbanismo, o arquiteto americano Greg Lynn coloca que “os diagramas não deveriam ser entendidos como idéias instrumentalizadas, mas como técnicas conceituais que antecedem qualquer tecnologia particular” [3]. Essa postura diante da aplicação da tecnologia digital busca inserir a apresentação diagramática da arquitetura num estágio de concepção dos projetos anterior ao instante em que eles se tornam tecnologias materiais aplicadas. Ou seja, não transparecer o uso da estrutura física dos espaços ou as funções por eles determinadas, mas revelar organizações virtuais. Neste caso, o uso de abstrações é um artifício amplamente utilizado por Ben van Berkel, e Greg Lynn avalia o seu uso a partir da denominação de “proto-funcionais, ou proto-significativas”.

Os diagramas proto-funcionais apresentam sinais ou estruturas filosóficas e linguísticas possíveis, relações que podem ser atribuídas a múltiplas referências, significados e funções. Lynn toma emprestado o conceito filosófico de máquina-abstrata de Foucault: o que se define por meio de funções e matérias que não possuem forma. A partir de análises realizadas a partir das teorias de Foucault, principalmente no caso do conceito panóptico, o filósofo Deleuze revela que a intenção de Foucault é propor novas coordenadas para a prática, onde conceitos como totalização seriam substituídos por transmissão, concordância, coincidência, prolongamento [4]. Segundo Foucault, o diagrama é uma “máquina abstrata”, uma forma de cartografia social e política, uma exposição das relações de força que constituem o poder, suas densidades e intensidades como nos é apresentado por ele a seguir:

"É que o diagrama é altamente instável ou flúido, não para de misturar matérias e funções de modo a constituir mutações. Finalmente, todo diagrama é intersocial, e em devir. Ele nunca age para representar um mundo preexistente, ele produz um novo tipo de realidade, um novo modelo de verdade. Não é sujeito da história nem a supera. Faz história desfazendo as realidades e as significações anteriores, formando um número equivalente de pontos de emergência ou criatividade, de conjunções inesperadas, de improváveis continuuns. Ele duplica a história com um devir” [5].

Estas relações apresentadas por Deleuze a partir das análises do conceito de panopticismo de Foucault demonstram como o conceito de diagrama é encarado enquanto metodologia de compreensão do poder. O caráter abstrato dos diagramas está desatrelado da funcionalidade das coisas, da localização pontual da fonte do poder e da forma fixa das estruturas. Greg Lynn assume esta fluidez das técnicas diagramáticas. A forma como a exposição das relações de força que constituem o poder é pensada por Deleuze, é analogamente aplicada nas negociações entre construções concretas e conceitos abstratos em arquitetura. Segundo Lynn, a arquitetura e o urbanismo é, mais do que qualquer outra disciplina, uma negociação entre abstração e forma física, onde a infraestrutura edificada é composta por pontos de cruzamentos (crossing points) entre sistemas técnicos, sociais e culturais díspares a partir dos quais a forma urbana emerge [6].


As técnicas diagramáticas utilizadas em arquitetura variam relativamente dependendo de como cada pesquisador encara o processo de concepção do espaço. No caso de Lars Spuybroek, atribui-se à apresentação uma idéia relacionada à motores (engines), sistemas interativos flexíveis compostos por diversos parâmetros cujas relações estão colocadas mas não são fixas [7], podendo se alterar ao longo do tempo. É um tipo de prática se assemelha à noção de mobilidade e liquidez de Lynn já que ambos apresentam forte referência das máquinas abstratas deleuzianas. Se para Foucault as máquinas abstratas apresentam uma “visão não homogênea do poder enquanto estratégia destacada de qualquer uso específico” [8], expondo suas relações de força, os motores de Spuybroek são “estratégias, uma fábrica de ações, onde estas ações não estão prescritas, as são regradas por interações” [9].

 





As bases sobre as quais são condicionados os parâmetros nas ‘máquinas’ de Lars são os movimentos impressos pelas pessoas. Ele se propõe mapear essas mobilidades humanas através dos próprios elementos arquitetônicos da apresentação utilizando “linhas flexíveis que rastreiam a capacidade estruturante dos movimentos”. É um tipo de procedimento que se assemelha em certos aspectos com a sintaxe espacial utilizada por Bill Hillier. Embora os projetos tenham escalas diferentes, o edifício para um e a cidade para outro, para ambos a observância do cotidiano de utilização do espaço é um aspecto estruturador na apresentação. O resultado deste tipo de procedimento para Spuybroek vai um pouco mais longe porque a assim chamada “linguagem de movimento” criada pelo seu “sistema geométrico flexível” busca articular também as imprevisibilidades possíveis dentro do sistema. Já a sintaxe espacial utiliza levantamento empíricos que buscam detectar padrões de movimento e interação dentro do contexto da cidade. Portanto, enquanto o procedimento de Spuybroek intenciona abrir o projeto para as imprevisibilidades, a sintaxe espacial busca encontrar ferramentas para dominar o imprevisível.

Uma aplicação prática dos diagramas digitais na arquitetura é realizada por Greg Lynn tanto no projeto para o concurso do terminal portuário de Yokohama como no Port Authority Gateway, nos quais o programa e a estrutura espacial foram organizadas tendo ênfase nos movimentos contínuos de várias espécies e escalas que interceptam os locais como os fluxos de passageiros, cidadãos, veículos de carga, carros e ônibus. No primeiro, por se tratar de uma localização limítrofe entre terra e mar, o projeto de Lynn se constitui numa transformação topológica da superfície no interior do volume principal em direção ao mar, evidenciando os cruzamentos dinâmicos dos fluxos e a experiência flúida de diferentes correntes de movimento. No segundo, as diferentes direções, intensidades e velocidades dos veículos ao longo da 9th Avenue e proximidades foram simuladas por partículas geométricas no computador e tiveram seus ciclos capturados e retratados durante um determinado período de tempo. O resultado da união destes retratos gerou a estrutura tubular que conectam diferentes rampas de acesso ao edifício.

Apesar do resultado formal do projeto se constituir numa tradução literal dos conceitos de mobilidade, a estratégia projetual de Lynn perpassa pela compreensão da fluidez dos condicionantes espaciais envolvidos. O método de apresentação adotado busca admitir aspectos de mobilidade, fluidez, dinâmicas e intensidades de diferentes itens que organizam o espaço da cidade ou do edifício.

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NOTAS

[1] “I think, on a technocultural level, diagramming means a move towards metadesign”. SPUYBROEK, Lars. Diagramming . Interview by Cho Im Sik. Edited in: Virtual Architecture + Digital Urbanism - Sarai Reader 2002: The Cities of Everyday Life.p.243-248.URL: http://www.sarai.net/journal/02pdf/09virtual/03diagramming.pdf

[2] “A representational technique implies that we converge on reality from a conceptual position and in that way we fix the relationshio between idea and form, between content and structure”. BERKEL, Ben van; BOS, Caroline. Move: techniques. Amsterdam: UN Studio & Goose Press, 1999. v. 2, p. 21.

[3] “Diagrams should not be understood as instrumentilized ideas, as this could be constructed as deterministic. Instead, diagrams should be understood as conceptual techniques that come before any particulat technology” . LYNN, Greg. Folds, bodies and blobs: collected essays. Bélgica: La Lettre Volée, 1998, p. 223.

[4] DELEUZE, Gilles. Foucault. Trad: Cláudia Sant’ana Martins. São Paulo: Brasiliense, 1988, p.40.

[5] DELEUZE. Foucault, 1988, p. 44-45.

[6] Segundo Lynn, “a tecnologia se qualifica como uma expressão das relações culturais, sociais e políticas mais do que essencialmente poder. O entendimento de tecnologia situa a arquitetura como um catalisador  na construção de formas infraestruturais mais do que vice-versa. A categoria de infraestrutura é composta dos assim chamados ‘pontos de cruzamentos’ entre sistemas culturais, sociais e técnicos diferentes dos quais surge a forma urbana”. “This discussion is dependent on the qualification of technology as an expression of cultural, social and political relations rather than as an essencial power. This understanding of technology situates architecture as a catalyst in the construction of infrastructural forms rathaer than vice-versa. The category of infrastructure is composed of so called “Crossing Points” of disparate cultural, social and technical systems such that the urban form emerges”. LYNN, Greg. Folds, bodies and blobs: collected essays. Bélgica: La Lettre Volée, 1998, p. 227-228.

[7] “a geometric system where all relations are set but not fixed, and then all the information is processed over time”. “Diagramming” Entrevista com Lars Spuybroek. SARAI READER 2002: The Cities of Everyday Life. Disponível em: <http://www.sarai.net/>.

[8] DELEUZE. Foucault, 1988, p. 36-41.

[9] “In this sense the diagram is a virtualization of action, a motor diagram which isn’t a ‘plan’ for what to do, but more a strategy, a fabric of action, where actions aren’t prescribed, but only rules for interactions” . SPUYBROEK, Lars. Machining architecture. Disponível em: <http://www.uni-kassel.de/fb12/fachgebiete/cad/cax/lars/machining.htm>. Acesso em: 25 maio 2004.

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Como citar este artigo:

MASSARA, Bruno. Diagramas digitais em arquitetura. (in) MASSARA, Bruno. Interfaces Gráficas e Cidades: Tecnologia Digital na Visualizaçào de Dinâmicas Espaciais en Grande Escala. Dissertação de Mestrado. NPGAU/EAU/UFMG, NOV. 2005, p. 113-117. Disponível em <http://www.territorios.org/teoria/H_C_diagramas.html> Acessado em: