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Grupo de Estudos Experimentais - UFES
Grupo de Pesquisa Cartografias Urbanas - UNILESTE/MG
Outros artigos do Prof. Bruno Massara Rocha

SISTEMAS EVOLUTIVOS E ANIMAÇÃO DIGITAL

Palavras-chave: sistemas evolutivos; animação; programação; processo de projeto

Uma das primeiras considerações feitas sobre a aplicação de sistemas evolutivos baseados na tecnologia digital na arquitetura foi realizada por John Frazer ainda na década de sessenta. Tendo as ciências naturais como uma das principais fontes de referência, os sistemas evolutivos utilizam conceitos como simbiose, metabolismo e mutabilidade para desenvolver modelos digitais de geração de forma arquitetônica baseados na interação do edifício com determinadas condições presentes no meio ambiente. O computador é utilizado para simular tendências de organização morfológica a partir de uma programação de algorítmos genéticos, similares ao autômato celular. Um sistema de códigos digitais é responsável por estabelecer regras de desenvolvimento e adaptabilidade para a geração do modelo espacial, interferindo diretamente no processo de evolução da forma, o que faz com que seja também considerado por alguns autores como um sistema genético ou generativo.

O interesse deste sistema para a arquitetura e urbanismo existe em função de potencializar a aplicação da tecnologia digital no âmbito processual do projeto, especulando estratégias de ação específicas para determinados problemas de organização. Sistemas de programação evolutivos podem assumir uma posição de complementaridade entre a discussão morfológica e fatores externos a ela, admitindo a complexidade, a superposição de referências e aspectos mais flexíveis com os quais os projetos se esbarram tais como fatores de como mobilidade e fluxo.

Os sistemas evolutivos digitais demandam inicialmente uma série de pré-definições para constituir os códigos responsáveis pelo desenvolvimento dos modelos, como nos é apresentado por Frazer:

"Para se conseguir um modelo evolutivo, é necessário definir os seguintes aspectos: um código de caracteres genético, regras para o desenvolvimento do código, associá-lo a um modelo virtual, estabelecer a natureza do meio ambiente no qual irá se desenvolver o modelo e, mais importante, os critérios de seleção" [1].

Trata-se de um método que busca associar a gênese formal às tecnologias digitais a partir da aplicação dos algoritmos genéticos sob a forma de códigos como uma nova ferramenta na produção de arquitetura. Uma vez que estes códigos estão estabelecidos e seus critérios de seleção programados, as configurações espaciais vão sendo geradas orientados a partir dos critérios do meio ambiente simulado. Ou seja, os sistemas evolutivos associam a forma à regras e condições pré-definidas, e utilizam um ‘meio ambiente’ como sendo o espaço das influências. É um laboratório formal para a investigação da arquitetura que associa uma racionalização das decisões de projeto a uma parcela de indeterminação em seu resultado. Considerando que a forma é o resultado do arranjo de uma sequência de pontos num espaço tridimensional, e que cada ponto contém regras específicas para se organizar com as vizinhas, o sistema evolutivo multiplica estes pontos até gerarem uma configuração específica que é atingida quando a multiplicação atinge um estado de equilíbrio.

O aspecto evolutivo deste sistema é atribuído à capacidade de adaptação da forma  do modelo arquitetônico à algumas circunstâncias que se encontram por exemplo nas diferentes características dos terrenos, nas exigências individuais dos usuários ou na intensidade fluxos de pessoas ou veículos. Uma importante diferença entre os sistemas evolutivos apresentados por Frazer e o autômato celular utilizado na cartografia para mapear o desenvolvimento urbano é que o primeiro investiga a tridimensionalidade na aplicação dos algorítmos genéticos. Isso possibilita a geração de modelos espaciais cujos arranjos estão vinculados a três dimensões, diferentemente do aspecto bidimensional relativo à superfície do território tratado pelo segundo. É possível, assim, um tipo de desenvolvimento morfológico mais complexo uma vez que ele se altera a partir de um número maior de direções e sentidos.

Os método de projetação arquitetônica que se baseiam nas qualidades geométricas apenas não são abertos suficientemente para admitir a apropriação prévia por parte do usuário, ocasionando espacialidades ocas e compartimentadas. A necessidade em se estabelecer critérios e condições para o desenvolvimento dos modelos evolutivos aponta para um novo tipo de procedimento de apresentação mais preocupado com a produção de estratégias de geração da forma. Os modelos evolutivos buscam se situar num estágio intermediário da análise espacial no qual são admitidos aspectos mais estratégicos relacionados à produção do espaço como por exemplo: comportamento, influência, performance, condições e intensidades. É possível se perceber que na quase totalidade dos modelos evolutivos os aspectos ‘tempo’ e ‘movimento’ são essenciais e trazem consigo conceitos diretamente relacionados à fluidez, duração, flexibilidade e direção. Estes modelos podem ser considerados potencialmente ligados à ‘performance’ do espaço, ou seja, apresentando-o enquanto um ambiente onde se interelacionam eventos, ocasiões e ações, como nos mostra Rahim:

"Nós utilizamos técnicas de animação que evoluem ao longo do tempo para estudar a relação entre a escala e intensidade de eventos e a sua correspondência com ciclos temporais do terreno" [2].

Este ‘lugar intermediário’ onde se instalam as análises dos modelos evolutivos representa, para Rahim, uma instância de crítica ao processo material de projeto de arquitetura comumente utilizado que repousa na relação direta entre conceito e forma. Buscando superar a relação isomórfica utilizada no processo trivial de projeto arquitetônico, o filósofo mexicano Manuel DeLanda considera que as simulações evolutivas substituem os métodos de design normativos cujas noções de determinismo e causalidade produzem sistemáticas de ‘cima para baixo’, onde as considerações do processo de apresentação da arquitetura são transcritas literalmente para a forma do edifício. Para o filósofo, isso se deve ao fato de que as noções fundamentais de espaço utilizadas na arquitetura são essencialmente métricas (comprimento, área, volume) não admitindo o que considera como essencial para uma nova metodologia de desenho que são as conectividades entre os elementos que compõem um conjunto espacial [3].

Para que estas conectividades sejam estabelecidas, DeLanda considera essencial localizar os pontos de intensidade no processo que somente se tornam visíveis a partir das suas diferenciações. Ele considera que são necessárias outros parâmetros de medida como as velocidades com que determinado espaço se modifica para se detectar estas diferenciações, e a partir daí estabelecer vínculos entre as atividades.

Para estes autores, o uso de algoritmos genéticos é uma forma de proporcionar novas maneiras de visualização da arquitetura baseadas num processo automático de pesquisa morfológica a partir de probabilidades. Os algoritmos genéticos funcionam como mecanismos de busca que utilizam filtros e critérios de seleção programados para detectar diferenças e semelhanças entre possíveis resultados formais. Lang chama a atenção para uma necessidade de sistemáticas de desenho não só na arquitetura, mas também na arte, que admitam esta ‘diferença’ como fator potencializador de conectividades no processo de criação e apresentação de caráter evolutivo. Segundo Lang:

"diferenças nas idéias são intensivas, dinâmicas, afirmativas e singulares. Demandando interpretação, elas são autênticas e contém todos os aspectos da evolução. Sistemas diferenciais ou com diferenciações livres incluem profundidade cultural e potencial de encontros" [4].

Uma vez admitindo que a ‘diferença’, no sentido apontado acima, é uma estratégia ou procedimento que se modifica ao longo do tempo, vê-se necessário um tipo de aproximação espacial da ordem das ‘possibilidades de ocorrência’, ou topológico. A noção de topologia vem sendo apropriada pela arquitetura numa tentativa de reavaliar o processo de pensamento dos projetos a partir da consideração de variantes não-físicas como esclarece Sperling:

"A topologia, ao ser introduzida em arquitetura por meio do conceito de diagrama processual topológico, requer a reconsideração de alguns paradigmas que cotidianamente conformam a disciplina arquitetônica como a permanência, o fixo e estático. E conflui, criticamente em alguns aspectos, na direção da incorporação dos eventos e do movimento no espaço  arquitetônico. Se a noção corrente de diagrama em arquitetura provê a inserção do tempo e do movimento (espaço no tempo) como variáveis de um processo projetual, a consideração integral do diagrama processual topológico em arquitetura transfere as duas variáveis, tempo e movimento, das transformações formais do objeto arquitetônico para a investigação dos aspectos espaciais não referentes à forma, seus aspectos organizacionais ou a topologia do objeto" [5].

 






Segundo Sperling, a topologia tem acessado o meio arquitetônico como disciplina da matemática que investiga as formas deformadas ou ditas complexas [6], cujas experimentações formais foram potencializadas e assumidas em vários escritórios de arquitetura a partir dos novos softwares de modelagem espacial. É neste sentido que, na maioria dos projetos desenvolvidos pelos arquitetos que utilizam o estudo da espacialidade topológica como paradigma de discussão de novas estratégias de processo na arquitetura como UNStudio, Lars Spuybroek, Greg Lynn, Kolatan+MacDonald, Reiser+Umemoto, FOA, entre outros, percebemos a presença de investigações processuais sempre resultantes de especulações advindas da exploração formal das superfícies não-planas.

As distintas grandezas que os modelos evolutivos de projetação incorporam na base da discussão espacial como potenciais de encontro, as conectividades, a fluidez, as velocidades, na maioria das vezes os afastam da geometria euclidiana como suporte representacional. Isso devido à uma insatisfação com o fato desta categoria da geometria se restringir às dimensões planas como suas noções fundamentais. No entanto, se considerarmos que a utilização de outras aproximações formais na arquitetura como a topologia são processuais e aplicadas à investigação das relações da arquitetura ainda enquanto conceito, então não necessariamente o resultado final deste espaço seria semelhante ao seu correspondente processual.

Mas o quadro que se percebe nos vários projetos desenvolvidos pelos escritórios citados acima, o resultado final é uma transcrição do processo de análise e concepção que se apresenta sob a forma de ‘hipersuperfícies’ em praticamente todos eles. É curioso diagnosticar como que, embora os arquitetos se posicionem contrários a um tipo de procedimento exclusivamente geométrico, os seus projetos incorporam geometricamente os processos intermediários realizados utilizando modelos evolutivos ou técnicas de animação. A questão é: é necessário que toda a dinâmica processual que pode ser interessantemente desenvolvida com os modelos genéticos e evolutivos utilizados na arquitetura via tecnologia digital, que admitam a participação e a interferência de fatores externos, que potencialize o cruzamento e a superposição de informações e atividades, deva gerar sempre resultados formais que recuperam a mesma imagem do processo? Não seria possível de se imaginar uma situação inversa, na qual um melhor agenciamento e visualização destes fatores que se entrecruzam na crescente complexificação dos espaços contemporâneos não nos permita intervenções ou resultados formais mais simples, precisos e objetivos?

Para os vários arquitetos que investigam a utilização das novas técnicas digitais dirigidas ao processo de análise e modelagem da arquitetura, as cidades atuais oferecem grandes possibilidades de leitura e aplicação destes recursos. A sua utilização é uma resposta à mudança do olhar sobre as cidades contemporâneas realizado por estes arquitetos. Para vários deles, como Reiser e Umemoto, “a crescente interconectividade do mundo tem produzido cidades nas quais os sistemas globais estão emaranhados nos meioambientes locais, e as escalas se deslocam rapidamente do local ao regional e internacional” [7].

O diagnóstico desta superposição de escalas num mesmo espaço urbano condiciona um tipo de leitura mais dinâmica e mais direcionada aos sentidos, direções e intensidades dos seus fluxos. Esse tipo de leitura é também compartilhada por Berkel, que considera “as cidades contemporâneas uma organização material de práticas de tempo compartilhado que funcionam através de fluxos” [8]. Em resposta a estes posicionamentos, os métodos de apresentação utilizados exploram o estudos dos movimentos, suas direções e trajetórias, suas ligações com diferentes programas, a relação com os sistemas de transporte, as relações entre diferentes programas, focando num tipo de proposta de intervenção que busca organizar estes elementos estruturalmente a partir de parâmetros como afirma Ben van Berkel ao se referir ao projeto West Side em Nova York:

"Utilizando combinações de técnicas digitais, o projeto integra infraestrutura, urbanismo e vários outros programas observando correspondências e sobreposições entre posições, partidos e funções envolvidas [...] o procedimento envolve a geração de dinâmicas de situações específicas, planejamento de estruturas de organização através de técnicas de parametrização" [9].

O procedimento de apresentação espacial leva em consideração a definição de uma estratégia de desenvolvimento espacial que parte da visualização das relações entre a infraestrutura de circulação e os espaços de permanência ao longo do dia. Uma vez que o espaço é considerado como sendo gerado a partir do cruzamento e da sobreposição de diferentes intensidades de fluxos, da copresença de atividades num mesmo espaço ao decorrer do dia, o projeto ocupa-se em  estruturar as ordens dos acontecimentos às quais são endereçados determinados critérios de desenho. Dessa forma, o computador não reproduz um desejo formal do arquiteto, mas torna visível possíveis arranjos formais para cada situação específica de uma maneira não linear.

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NOTAS

[1] “In order to achieve the evolutionary model it is necessary to define the following: a genetic code-script, rules for the development of teh code, mapping of the code to a virtual model, the nature of the environment for the development of the model and, most importantly, the criteria for selection”.FRAZER, John. An evolutionary architecture. Londres: AA Publications, 1995. Disponível em: <http://www.aaschool.ac.uk/publications/ea/intro.html>. Acesso em ago. 2005.

[2] “We used animation techniques that evolved through time to study the relationship of the scale and the intensity of events and their correspondence with temporal cycles of the site”. RAHIM, Ali (Ed.) Contemporary processes in architecture. Architectural Design, v. 70, n. 3, Jun. 2000, p. 53.

[3] DeLANDA, Manuel. Deleuze and the use of genetic algorithm in architecture. In: RAHIM, Ali. (Ed.) Contemporary techniques in architecture. Architectural Design, v. 72, n. 01, Jan. 2002, p. 9-12.

[4] “differences in ideas are intensive, dynamic, affirmative and singular. In need interpretation, they are authentic and contains all aspects of evolution. Free differences or differential systems include the full depth of culture and potential of encounter”LANG, Oliver. Why difference matters: differential notational systems . In: RAHIM, Ali. (Ed.) Contemporary processes in architecture. Architectural Design, v. 70, n. 3, Jun. 2000, p. 16.

[5] SPERLING, David. Arquiteturas em processo: diagramas e topologia. In: SEMINÁRIO ARQUITETURA E CONCEITO, Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, Julho de 2003. Disponível em: <http://www.arq.ufmg.br/arquiteturaeconceito/pdf/ufmg26.pdf >.

[6] SPERLING, David. Situs:um glossário de topologia na www. In: CONGRESSO IBERO AMERICANO DE GRÁFICA DIGITAL, 8. 2004. São Leopoldo. Anais. São Leopoldo: UNISINOS, 2004.

[7] “The increasingly interconnected world has produced cities in wich global systems are intermeshed in local environments, and scale shifts rapidly from the local to the regional and international”. UNEMOTO. West side convergence: urban process apud RAHIM, Ali (Ed.) Contemporary processes in architecture. Architectural Design, v. 70, n. 3, Jun. 2000, p. 78.

[8] “contemporary city is a material organization of time-sharing social practices that work through flows” . BERKEL, Ben van. Deep planning: west side apud RAHIM, Ali (Ed.) Contemporary processes in architecture. Architectural Design, v. 70, n. 3, Jun. 2000, p. 50.

[9] “ Using combinations of digital techniques, the project integrates infrastructure, urbanim and various programs by looking correspondences and overlaps between the locations, parties and functions involved [...] the procedure of Deep Planning [nome dado ao processo] involves generating specific dynamic, organizational structural plan with the parameter-based techniques” . BERKEL, Ben van. Deep planning, 2000, p. 46.

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Como citar este artigo:

MASSARA, Bruno. Sistemas evolutivos e animação digital. (in) MASSARA, Bruno. Interfaces Gráficas e Cidades: Tecnologia Digital na Visualizaçào de Dinâmicas Espaciais en Grande Escala. Dissertação de Mestrado. NPGAU/EAU/UFMG, NOV. 2005, p. 117-123. Disponível em <http://www.territorios.org/teoria/H_C_evolutivos.html> Acessado em: