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AS INTERFACES DIGITAIS E A INTERATIVIDADE

Palavras-chave: interfaces; interatividade; imprevisibilidade; labirinto; hipermídia

Partindo de uma visão mais genérica, as interfaces de computador podem ser entendidas como um ambiente de inteligibilidade, comum tanto ao usuário quanto ao banco de dados digital. Ela se configura como um local de mediação, fornecendo acesso a um conteúdo potencial e permitindo conjugar determinadas ações a determinadas respostas. Ela também opera como um ambiente de sensibilidade como enuncia Johnson:

"a interface atua como uma espécie de tradutor, mediando duas partes até então separadas [usuário e computador] e tornando uma sensível à outra" [1].

A partir de metáforas e associações gráficas, as interfaces nos permitem modelar as formas como os dados armazenados nas memórias do computador serão dispostos e exibidos na tela. Lévy [2] se refere a este conjunto de dados como um “conteúdo potencial” composto por uma série de dados digitais que, no caso das ciências de análise e levantamento espacial, como a matemática, geografia, cartografia, arquitetura e urbanismo, podem ser exemplificados por: imagens captadas por câmeras digitais das mais diversas fontes como satélites, aviões, pedestres, além vídeos e animações, gráficos e tabelas, mapas e plantas, que podem sofrer todo um processo de composição posteriormente.

A interface estabelece regras e possibilidades de acesso a este conteúdo potencial, “a partir da qual o leitor explora uma reserva potencial” [3]. As possibilidades de exibição, fruto da tradução das informações levantadas pelos diversos mecanismos de registro, oferecem uma grande aplicabilidade para situações de análise espacial que demandam constantes comparações e cruzamentos de dados. A complexa realidade dos espaços produzidos atualmente é um campo fértil para a utilização de interfaces gráficas digitais uma vez que elas permitem uma exploração dinâmica de múltiplas variáveis simultâneas, que podem ser acessadas através de diferentes percursos de leitura em função da ligação entre usuário e computador como nos mostra Couchot:  

"No decorrer desse atrelamento entre homem e computador, dois mundos até então estrangeiros um ao outro, o mundo límpido e frio do algoritmo e o mundo orgânico e psíquico das sensações e dos gestos, ou seja, a linguagem da lógica e a linguagem do corpo são intimadas a se entrecruzar através da parede porosa das interfaces [4]".

O seu atributo de porosidade reside no fato de que ela pode permitir o trânsito bidirecional de estímulos entre dois ambientes podendo gerar uma interdependência entre eles. As interfaces têm hoje um papel fundamental na realização dos múltiplos serviços oferecidos pelas tecnologias digitais. Elas não se constituem apenas de elementos físicos como as telas dos computadores, celulares, smartphones, tablets, mas destes elementos acrescidos de uma programação multisensorial capaz de estabelecer um contato dialógico com seus usuários.

Entretanto não podemos afirmar que esta característica porosa é uma constante em todas as interfaces gráficas. É fundamental a existência de uma reciprocidade nesta relação entre tecnologia e usuário que caracterize um processo de interatividade e complementaridade. Existem diversas outras formas de relação que não constituem uma interatividade propriamente dita, devido aos seguintes aspectos: a) elas não promovem uma relação de influência recíproca e b) elas não promovem uma relação constante. É neste sentido que parece concordar Cabral Filho quando coloca que:

"Interatividade, como ela vem sendo eventualmente colocada pelas companhias comerciais, foi reduzida a um significado gestual e conceitual muito simplista. Embora o ‘apontar-e-clicar’ do mouse pode se assemelhar de forma lânguida ao ato tátil, ele não oferece muito mais do que uma maneira de consultar informações disponíveis em uma base de dados no computador, o que não significa uma interação real" [5].

O simples acesso ao universo de informações potencializado pelas tecnologias de informação não constituem, portanto, a interatividade porque se resume a uma relação de perguntas e respostas, além de não permitir a modificação da estrutura de organização e composição do conteúdo. Para Johnson, o computador é “uma máquina dotada de um sistema simbólico que lida com representações e sinais e não com a causa-efeito mecânica” [6]. Existem várias aplicações dos computadores que não diferem muito desta relação de causa-efeito como é o caso da teleação e da telepresença. Nestas duas situações a relação não é de reciprocidade, mas unilateral, existindo uma interferência apenas em um sentido: do homem para a máquina. Manovich sustenta a posição de que “quando um usuário segue um hiperlink para outro website, ou utiliza da telepresença para observar ou agir em uma localização remota, nenhum objeto das novas mídias está sendo gerado” [7]. Neste caso, a telepresença ocorre quando se conectam as ações de um usuário a um objeto remoto como um veículo, ou mesmo numa navegação pela Internet, onde o ele acessa documentos localizados em computadores espalhados pelo mundo. São exemplos de interferência unilateral, ausentes de complementaridade, que ainda se restringem a uma relação de causa-efeito porém, à distância. Como coloca Manovich, uma navegação pela internet não constitui uma experiência interativa, uma vez que não produz nenhum efeito de alteração nas características ou na estrutura dos objetos.

O conceito de interatividade pode assumir formas elásticas de interpretação e encontra nos meandros digitais uma forte aplicação teórica em função dos dispositivos de acesso à informação não lineares. Para Machado [8], a interatividade na síntese digital pode ser encontrada nos caminhos ou nos percursos possíveis de leitura, no intercâmbio constante de comunicação entre homem e mídia. Entretanto, Machado faz uma ressalva para um importante aspecto da interatividade que é extrapolar a noção de respostas automáticas e reativas, onde o usuário faz apenas uma escolha. Num ambiente ou interface interativa, o pesquisador assume um papel de explorador de um conteúdo que pode se apresentar de diferentes formas podendo este, inclusive, modificar o percurso do usuário em suas pesquisas dependendo do tipo de informação “descoberta”.

Este aspecto da diferenciação entre interativo e reativo é esclarecido por Machado tendo dois pontos fundamentais que distinguem estes dois conceitos. São eles: a previsibilidade das respostas e a quantidade de opções oferecias ao usuário. Segundo o autor, “no reativo o usuário faz apenas uma escolha sequer, [enquanto] interativo é uma resposta autônoma, criativa e não prevista da audiência” (MACHADO) [9]. Este artigo concorda com o ponto de vista do autor no que diz respeito ao fato de que uma interface digital interativa deve necessariamente oferecer várias escolhas ao usuário de forma que cada uma delas não prefigure a seguinte. Além disso, é também necessário que cada escolha feita por esse usuário possa provocar alterações na programação da interface fazendo com que o percurso de interação não seja linear. Machado utiliza a metáfora do labirinto ao se referir a um tipo de interface com características não lineares de navegação:

"Resolver o labirinto era percorrê-lo como um todo, era conhecê-lo por inteiro, ao invés de achar uma saída. Mais do que chegar ao fim ou ganhar o jogo, o prazer desses trabalhos está na investigação infinita das possibilidades de desdobramento" [10].

Os principais atributos deste tipo de ambiente labiríntico seriam: a interatividade, a abertura, a imprevisibilidade, a multiplicidade, uma forma combinatória e permutacional de acesso às informações, que caracterizariam o que ele denomina de hipermídia. Machado faz estas afirmações partindo dos exemplos das obras de artistas como Bill Viola, John Cage e o escritor Willian Gibson. Para eles, as possíveis e inesperadas interlocuções entre obra e espectador são primordiais para instaurar uma relação de imprevisibilidade na obra artística. No entanto, por se tratar de um objeto artístico, ela se detém em investigações cujo caráter é mais provocador e menos aplicável.

O grau de imprevisibilidade que aqui defendemos busca uma aproximação à forma não linear como se organiza o pensamento aplicado numa pesquisa crítica do espaço. O excesso desta imprevisibilidade poderia extrapolar a relação de complementaridade entre o pesquisador e o ambiente digital tornando-o inviável para fins de pesquisa. É necessária uma sinergia entre o usuário e o ambiente de mediação e potencialização de seu pensamento, de forma que esta mediação ofereça novas possibilidades de leitura e visualização de dados, provocando o usuário a partir do cruzamento destas informações e da possível problematização delas num contexto real.  Esse tipo de provocação aparece no que Lévy (1996) considera como a virtualização do texto e a virtualização da leitura promovida pelo hipertexto, um conceito que pode ser analogamente interpretado como uma hiper-representação. Segundo ele, neste tipo de ambiente interativo:

 





"o leitor estabelece uma relação muito mais intensa com um programa de leitura e navegação, multiplica as ocasiões de produção de sentido e permite enriquecer consideravelmente a leitura; o texto é posto em movimento, envolvido num fluxo estando mais próximo do movimento do pensamento" [11].

Lévy se refere especificamente ao hipertexto, um tipo de linguagem instaurada pelas tecnologias digitais, que fundamenta a organização do conteúdo e a navegação pela Internet. O hipertexto, como o próprio nome já faz referência, é constituído por páginas eletrônicas de textos e também imagens onde são possíveis estabelecer conexões entre diferentes seções utilizando-se dos hiperlinks. A hipermídia não possui um formato específico, mas é mais complexa do que o hipertexto, uma vez que se apresenta sob a forma de diversos outros tipo de mídias, como animações, sons, vídeos, etc. O hipertexto e a hipermídia são ambientes digitais similares, dotados de um potencial interativo, de uma imprevisibilidade na relação com o usuário, além de permitir uma construção imediata de um encadeamento de idéias no ato de sua leitura. Tecnicamente, isso se deve às possibilidades estruturais das tecnologias digitais de acesso randômico e programação que sintetizam uma representação dinâmica que se encontra, por sua vez, sempre inacabada. Ela se constrói e reconstrói a partir da interatividade e da participação ativa do usuário.

Segundo Machado, “a interatividade se define nos percursos da leitura, no intercâmbio de comunicação entre homem e mídia, numa distribuição operativa de papéis na cena da escritura ou num feedback constante entre os implicados no processo de comunicação” [12]. Essa relação bilateral possui de um lado a interface digital que virtualiza uma série de possibilidades de exibição de um conteúdo programado e do outro o usuário que participa enquanto um fator atualizador deste conteúdo e, conseqüentemente, de suas formas potenciais de visualização. Esse processo de participação e complementaridade permite que a visualização do conteúdo pelo “navegador” seja um ato de construção constante como afirma Lévy:

"O navegador participa assim da redação ou pelo menos da edição do texto que ele lê podendo se fazer autor de maneira mais profunda do que percorrendo uma rede preestabelecida: participando da estruturação do hipertexto, criando novas ligações não apenas modificando as ligações mas igualmente acrescentando ou modificando nós; a partir do hipertexto, toda leitura tornou-se um ato de escrita" [13].

Esta postura de complementaridade entre o usuário e um conteúdo potencial tem como conceito gerador a interatividade, esta relação de troca entre os dois lados envolvidos que vai promover a realização de uma hiperleitura, viabilizada pelo hipertexto. A relação interativa oferece possibilidades de construção de um percurso de visualizações que se ordena a partir das interpretações particulares e do sentido construído pelo usuário. Não podemos afirmar, contudo, que esta interação com um determinado conteúdo em exibição demande necessariamente um suporte tecnológico digital para acontecer. Também não podemos afirmar que a “abertura” de determinado objeto ou elemento para interpretações particulares é característica fundamental das tecnologias digitais ou que tenha sido introduzida por elas. Mas ao tratarmos da interação com as interfaces digitais estaremos lidando com um importante aspecto que são as múltiplas formas de aproximação a um conteúdo que ainda está por ser revelado, um momento ainda inacabado de construção da e na apresentação. Esse ato de construção ou de “escrita” das interfaces multimídias pode ser desdobrado em duas formas de interação: uma delas é a interação visual com o objeto, que é oferecida pelos hiperlinks e que controla a exibição dos elementos digitais; a outra se dá no usuário e acontece em função das problematizações realizadas em função das possibilidades de cruzamento e articulação das informações e dados exibidos.

A problematização do conteúdo da interface é potencializada quando o usuário se ‘esbarra’ com aspectos incertos ou inesperados durante a interação. O conteúdo vai sendo revelado na medida do interesse de quem manipula a interface. Ao longo das superposições das informações que vão surgindo na tela, surgem também as condições para se fazerem comparações entre elas, instigando o usuário a depositar sua bagagem crítica diante das informações que se sucedem. A incerteza diante das revelações subsequentes estimula o usuário a tecer uma rede de possibilidades ou suposições do que está por vir, ou o direciona para outros caminhos possíveis de navegação dependendo da sua curiosidade ou da sua necessidade. Essa condição de incerteza é, segundo Cabral-Filho, essencial para promover uma unicidade na relação entre usuário e interface, instaurando uma verdadeira interação. Para ele, as características probabilísticas encontradas em interfaces como as dos jogos digitais os tornam “estruturas essencialmente de incerteza” [14], ambientes onde são constantes os esbarros e que podem metaforicamente alimentar a programação de interfaces para outros fins, como por exemplo na apresentação urbana.

A potencialização da informação promovida pelos computadores possibilita que “um programa calcule um número indefinido de manifestações visíveis, audíveis e tangíveis, em função da situação em curso ou da demanda dos usuários” [15]. Isso permite que os caminhos percorridos pelo usuário durante o ato de leitura possam ser modificados ao longo de seu percurso. A capacidade de armazenamento e acesso aos dados permite uma infinidade de possíveis exibições conseqüentes do envolvimento do usuário com as informações e as suas intenções particulares. As interferências do usuário na construção de sua própria leitura já é um ato de problematização que, por sua vez, são relações virtualmente existentes no computador que são reveladas ao usuário durante o processo de interação.

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NOTAS

[1] JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossamaneira de criar e comunicar. Tradução: Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2001, p. 17.

[2] LEVY, Pierre. O que é o virtual?. São Paulo: Ed. 34, 1996.

[3] LÉVY. O que é o virtual?, 1996, p. 39.

[4] COUCHOT, Edmond. A tecnologia na arte da fotografia à realidade virtual. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2003, P. 172.

[5] CABRAL FILHO, José dos Santos. Formal games and interactive design: computers as formal devices for informal interaction between clients and architects. Sheffield, 1996. 200 f. Tese de Doutorado em Arquitetura, University of Sheffield. 1996.

[6] JOHNSON. Cultura da interface, 2001, p. 17.

[7] “new media objects are being generated when the user follows a hyperlink to another Website, or uses telepresence to observe or act in a remote location.” Em: MANOVICH, Lev. The language of new media. Cambridge: MIT Press, 2002, p. 161. Manovich considera as novas mídias como todo tipo de mídia que traduz como dados numéricos acessíveis pelo computador.

[8] MACHADO, Arlindo. Hipermídia: o labirinto como metáfora. In: DOMINGUEZ, Diana (Org.) A arte do século XXI: a humanização das tecnologias. São Paulo: Ed. UNESP, 1997.

[9] MACHADO. Hipermídia, 1997, p. 144.

[10] MACHADO. Hipermídia, 1997, p. 149-150.

[11] LÉVY. O que é o virtual?, 1996, p. 42-48.

[12] MACHADO. Hipermídia, 1997, p. 145-146.

[13] LÉVY. O que é o virtual?, 1996, p. 45-46.

[14] CABRAL FILHO, José dos Santos. Flip horizontal: gaming as redemption. M/C JOURNAL: A Journal of Media and Culture. v. 3, n. 5, Oct. 2000. Disponível em: <http://www.api-network.com/mc/0010/flip.php>. Acesso em: 28 abr. 2005. 3.5

[15] LÉVY. O que é o virtual?, 1996, p. 41.

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Como citar este artigo:

MASSARA, Bruno. As interfaces digitais e a interatividade. (in) MASSARA, Bruno. Interfaces Gráficas e Cidades: Tecnologia Digital na Visualizaçào de Dinâmicas Espaciais en Grande Escala. Dissertação de Mestrado. NPGAU/EAU/UFMG, NOV. 2005, p. 86-92. Disponível em <http://www.territorios.org/teoria/H_C_interfaces.html> Acessado em: